TEXTO I
Quem sabe, devido às atividades culinárias da esposa, nesses idílios Vadinho dizia-lhe “Meu manuê de milho verde, meu acarajé cheiroso, minha franguinha gorda”, e tais comparações gastronômicas davam justa ideia de certo encanto sensual e caseiro de dona Flor a esconder-se sob uma natureza tranquila e dócil. Vadinho conhecia-lhe as fraquezas e as expunha ao sol, aquela ânsia controlada de tímida, aquele recatado desejo fazendo-se violência e mesmo incontinência ao libertar-se na cama.
AMADO, J. Dona Flor e seus dois maridos. São Paulo: Martins, 1966.
TEXTO II
As suas mãos trabalham na braguilha das calças do falecido. Dulcineusa me confessou mais tarde: era assim que o marido gostava de começar as intimidades. Um fazer de conta que era outra coisa, a exemplo do gato que distrai o olhar enquanto segura a presa nas patas. Esse o acordo silencioso que tinham: ele chegava em casa e se queixava que tinha um botão a cair. Calada, Dulcineusa se armava dos apetrechos da costura e se posicionava a jeito dos prazeres e dos afazeres.
COUTO, M. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. São Paulo: Cia. das Letras, 2002
No trecho da obra “Dona Flor e seus dois maridos”, a personagem feminina é “seduzida” pelo marido com frases atreladas às suas habilidades gastronômicas: “tais comparações gastronômicas davam justa ideia de certo encanto sensual e caseiro de dona”. Em “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”, o comportamento feminino é revelador de um recato típico da sociedade patriarcal que não permite a exposição do desejo sexual de forma livre e natural: “Dulcineusa se armava dos apetrechos da costura e se posicionava a jeito dos prazeres e dos afazeres”.