O homem disse, Está a chover, e depois, Quem é você, Não sou daqui, Anda à procura de comida, Sim, há quatro dias que não comemos, E como sabe que são quatro dias, É um cálculo, Está sozinha, Estou com o meu marido e uns companheiros, Quantos são, Ao todo, sete, Se estão a pensar em ficar conosco, tirem daí o sentido, já somos muitos, Só estamos de passagem, Donde vêm, Estivemos internados desde que a cegueira começou, Ah, sim, a quarentena, não serviu de nada, Por que diz isso, Deixaram-nos sair, Houve um incêndio e nesse momento percebemos que os soldados que nos vigiavam tinham desaparecido, E saíram, Sim, Os vossos soldados devem ter sido dos últimos a cegar, toda a gente está cega, Toda a gente, a cidade toda, o país,
SARAMAGO, J. Ensaio sobra a cegueira. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
A pontuação não convencional é marca estilística intrínseca na obra de Saramago. No trecho em análise, o caos se dá por meio de diálogos entrecortados que, postos em um período longo, são marcados pela letra
maiúscula sem que haja ponto final precedente. Isso contribui semanticamente para o texto, seja para marcar uma confusão, a velocidade da cena, ou o caos instaurado.