Análise da proposta de redação do ano de 2022.
A redação do Enem merece bastante atenção por ser um dos maiores pesos na pontuação final do aluno e, também, pelo fato de abordar criticamente questões sociais.
O tema da Redação do Enem de 2022 não foi diferente: “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil” trouxe, aos candidatos, a necessidade de refletir sobre uma realidade que faz parte da vida de muitos brasileiros.
Análise das Referências
O primeiro texto, retirado de uma reportagem veiculada pelo G1, é importante por diversos aspectos. Primeiramente, porque ele traz a noção de que muitos de nós, cidadãos brasileiros, não temos conhecimento sobre quais são os povos e comunidades tradicionais do nosso país: talvez pensemos apenas em indígenas e quilombolas. Essa ideia já faz refletir “por que não temos esse conhecimento?”.
Além disso, o texto dá alguns exemplos e, exatamente por não contemplar todos, nos faz entender que também não é necessário que o candidato aborde todas as comunidades e povos tradicionais brasileiros.
Por fim, para que não reste dúvida, há a definição de uma pesquisadora da UnB sobre essas populações, deixando evidente a relação delas com a terra e a natureza, o que é extremamente interessante para abrir caminho para contrastar com a exploração dos recursos naturais, com o capitalismo, com casos de violência contra esses povos e aqueles que os defendem – por exemplo, o assassinato de Dom e Bruno poderia ter sido abordado.
O segundo texto é essencial para que tenhamos dados sobre os povos tradicionais brasileiros, principalmente sobre onde a maioria de cinco deles está presente. A partir desses dados, principalmente pelo fato de o Brasil ser um país considerado “continental”, é possível traçar relações entre questões socioculturais, econômicas e regiões brasileiras.
O terceiro texto traz informações técnicas sobre órgãos responsáveis pela preservação de outras formas de organização sociais, fazendo o candidato refletir sobre o papel do Estado nesse cenário, além de fornecer informações que poderiam ser utilizadas – associadas a outras referências – como base para a argumentação.
O último texto é importante tanto como base para argumentação, podendo ser usado como referência, quanto para a reflexão sobre como questões climáticas e a falta de preservação ambiental prejudicam diretamente os povos em evidenciados pela proposta de redação.
Análise Geral
De modo geral, o tema pede para que se redija um texto sobre os desafios existentes para o reconhecimento e valorização dos povos tradicionais brasileiros. Estando a palavra “desafios” na frase-tema, devemos nos concentrar no fato de ser algo problemático: que não acontece como deveria. Além da palavra “desafio”, a palavra “valorização” também é extremamente importante: o que é valorizar? Basicamente, podemos entender como “reconhecer a importância”, “demonstrar a relevância” e, além disso, apresentar atitudes que condizem com esse cenário de valorização. Já em relação à definição de “comunidades e povos tradicionais”, o candidato não deveria se preocupar, já que os textos de apoio ajudaram bastante na definição e, é claro, não havia necessidade de contemplar especificamente a identidade de todos em uma redação de, apenas, 30 linhas.
Sugestão de Teses
O tema abre espaço somente para uma visão: existem obstáculos/dificuldades para que as comunidades e povos tradicionais sejam valorizados e essa valorização é importante.
Nesse sentido, existe a possibilidade de dois formatos de tese – a sintética e a analítica. A analítica depende de que caminhos o candidato escolheu seguir para defender o ponto de vista dele, já que, nela, há “spoiler” dos argumentos que serão trabalhados nos desenvolvimentos.
- Tese sintética: “Os povos tradicionais brasileiros são constantemente menosprezados e, por isso, há urgência de medidas que minimizem os obstáculos de mudança desse cenário.”.
- Tese analítica: “Nesse sentido, nota-se que há desafios para garantir a importância deles, devido ao descuido com a cultura nativa e à destruição de terras ribeirinhas.”.
O desenvolvimento deve comprovar o ponto de vista apresentado na introdução da redação. Em relação às teses mencionadas anteriormente, os argumentos poderiam ser:
- Problemas relacionados à alienação social e a questões políticas, principalmente, em se tratando de representatividade de direitos.
D1: Abordar a responsabilidade das instituições de ensino nesse cenário. Por exemplo, poderia problematizar o aprendizado da história ainda com uma perspectiva colonizadora e estereotipada em relação aos povos originários brasileiros.
D2: Problematizar o descaso da sociedade que é reflexo, também, do descaso estatal, fatos que, somados, perpetuam a falta de representatividade políticas dos povos tradicionais e, consequentemente, a ineficácia de políticas públicas que defendam seus direitos.
- Falar sobre o descuido com a cultura nativa e sobre a destruição de terras ribeirinhas.
D1: Trazer exemplos que ilustrem o descaso com a cultura nativa, citando, por exemplo, que os indígenas da Aldeia Maracanã, que já haviam sido expulsos do antigo Museu do Índio, foram expulsos de seus espaços durante os preparativos para a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos sediados no Brasil, associando esse fato à visão de violência simbólica de Bourdieu.
D2: Falar sobre crimes ambientais e como esses crimes impactam os povos tradicionais. Para isso, é possível abordar a população ribeirinha e o garimpo ilegal.
Conclusão
O tema, então, exige que sejam apresentados meios para driblar os desafios impostos à valorização das comunidades e povos tradicionais no Brasil. Essa intervenção deve solucionar ou amenizar os problemas mencionados no próprio texto. Por isso, as possíveis intervenções acerca dos argumentos poderiam ser:
- Ministério da Educação – órgão responsável por implementar mudanças nas diretrizes educacionais – deve propor alteração na BNCC acrescentando disciplinas sociais obrigatórias sobre o ensino acerca dos povos tradicionais brasileiros, incentivando a realização de feiras culturais e projetos que ampliem o conhecimento dos jovens as comunidades invisibilizadas no nosso país e como elas se organizam. Assim, desde cedo, indivíduos podem desenvolver maior noção sobre a necessidade de se envolver em causas que protejam essas populações, cobrando políticas públicas que garantam seus direitos e bem-estar.
- Ministério do Meio Ambiente – órgão responsável pela política ambiental – assegure o cumprimento das leis destinadas à proteção do ecossistema. Essa ação deve ser feita por meio da fiscalização do garimpo ilegal e efetiva extinção dessa prática depredatória, para que o povo ribeirinho tenha sua sobrevivência garantida. É importante, também, valorizar a cultura da população indígena, de modo que o mercado não tenha mais controle sobre suas terras, para que, enfim, as garantias fundamentais sejam colocadas em prática.