Dão Lalalão
Do povoado do Ão, ou dos sítios perto, alguém precisava urgente de querer vir por escutar a novela do rádio. Ouvia-a, aprendia-a, guardava na ideia, e, retornado ao Ão, no dia seguinte, a repetia a outros.
Assim estavam jantando, vinham os do povoado receber a nova parte da novela do rádio. Ouvir já tinham ouvido tudo, de uma vez, fugia da regra: falhara ali no Ão, na véspera, o caminhão de um comprador de galinhas e ovos, seo Abrãozinho Buristém, que carregava um rádio pequeno, de pilhas, armara um fio no arame da cerca… Mas queriam escutar outra vez, por confirmação. — “A estória é estável de boa, mal que acompridada: taca e não rende…” — explicava o Zuz ao Dalberto.
Soropita começou a recontar o capitulo da novela. Sem trabalho, se recordava das palavras, até com clareza — disso se admirava. Contava com prazer de demorar, encher a sala com o poder de outros altos personagens. Tomar a atenção de todos, pudesse contar aquilo noite adiante. Era preciso trazer luz, nem uns enxergavam mais os outros; quando alguém ria, ria de muito longe. O capitulo da novela estava terminando.
ROSA, J. G. Noites do sertão (Corpo de baile). São Paulo: Global, 2021.
O narrador conta que os moradores já haviam escutado a história no rádio (“Ouvir já tinham ouvido tudo, de uma vez”), porém “queriam escutar outra vez”, por meio de Soropita. Ao afirmar que essa personagem “contava com prazer de demorar”, enchia “a sala com o poder de outros altos personagens” e, com isso, tomava a atenção de todos, é possível inferir que o gosto do moradores do povoado por ouvir a novela de rádio recontada tinha relação com o jeito singular de Soropita de falar aos ouvintes.