O mulato
Ana Rosa cresceu; aprendera de cor a gramática do Sotero dos Reis; lera alguma coisa; sabia rudimentos de francês e tocava modinhas sentimentais ao violão e ao piano. Não era estúpida; tinha a intuição perfeita da virtude, um modo bonito, e por vezes lamentara não ser mais instruída. Conhecia muitos trabalhos de agulha; bordava como poucas, e dispunha de uma gargantazinha de contralto que fazia gosto de ouvir.
Uma só palavra boiava à superfície dos seus pensamentos: “Mulato”. E crescia, crescia, transformandose em tenebrosa nuvem, que escondia todo o seu passado. Ideia parasita, que estrangulava todas as outras ideias.
— Mulato!
Esta só palavra explicava-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; as reticências dos que lhe falavam de seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença, discutiam questões de raça e de sangue.
AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Ática, 1996 (fragmento).
O Naturalismo é um movimento literário que, dentre outras coisas, procurou aplicar as correntes científicas – determinismo, positivos, método científico etc – do século XIX na Literatura. Dessa forma, é comum que seus textos: tratem suas personagens de forma animalizada, agindo por instinto; abordem os problemas sociais como patologias; tenham compromisso com a realidade, etc. Sendo assim, nesse fragmento, o narrador é fiel ao naturalismo por relacionar a posição social a padrões de comportamento e à condição de raça, tratando assuntos como um cientista faz um experimento.