Seus primeiros anos de detento foram difíceis; aos poucos entendeu como o sistema funciona. Apanhou dezenas de vezes, teve o crânio esmagado, o maxilar deslocado, braços e pernas quebrados; por fim, um dia ficou lesionado da perna quando foi jogado da laje de um pavilhão. Nem todas as vezes ele soube por que apanhou, muito menos da última, quando foi deixado para morrer, mas sobreviveu. Seu corpo, moído no inferno, aguarda o fim dos seus dias. Já não questiona mais. Obedece. Cumpre as ordens. Baixa a cabeça e se retira. Apanha, às vezes com motivo, às vezes sem. Por onde passou, derramaram seu sangue. Seu rastro pode ser seguido. Intriga ter sobrevivido durante tantos anos. Pouquíssimos chegaram à terceira idade encarcerados.
MAIA, A. P. Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record, 2017.
No fragmento do texto, a narrativa apresenta uma rotina absurda, em que o personagem é alvo de enorme violência sem nem saber o motivo de estar sendo atacado. Aos poucos, ele começa a só aceitar as coisas, sem se preocupar em entendê-las, por mais violentas que sejam. Tudo isso pode ser pensado como a representação de um ‘estado de exceção