Vanda vinha do interior de Minas Gerais e de dentro de um livro de Charles Dickens. Sem dinheiro para criá-la, sua mãe a dera, com seus sete anos, a uma conhecida. Ao recebê-la, a mulher perguntou o que a garotinha gostava de comer. Anotou tudo num papel. Mal a mãe virou as costas, no entanto, a fulana amassou a lista e, como uma vilã de folhetim, decretou: “A partir de hoje, você não vai mais nem sentir o cheiro dessas comidas!”.
Vanda trabalhou lá até os quinze anos, quando recebeu a carta de uma prima com uma nota de cem cruzeiros, saiu de casa com a roupa do corpo e fugiu num ônibus para São Paulo.
Todas as vezes que eu e minha irmã a importunávamos com nossas demandas de criança mimada, ela nos contava histórias da infância de gata-borralheira, fazia-nos apertar seu nariz quebrado por uma das filhas da “patroa” com um rolo de amassar pão e nos expulsava da cozinha: “Sai pra lá, peste, e me deixa acabar essa janta”.
PRATA, A. Nu de botas. São Paulo: Cia. das Letras, 2013 (adaptado).
A expressividade acerca da trajetória da empregada é garantida pela representação anedótica (definida por uma narrativa breve de fatos jocosos) de atos de violência, conforme apresentado pelo trecho “… fazia-nos apertar seu nariz quebrado por uma das filhas da ‘patroa’…”. Porém, a questão apresenta uma ambiguidade que permite que o gabarito seja a letra A, pois há expressividade por meio das referências literárias tradicionais no texto, como a menção ao livro de Charles Dickens, a frase ‘vilã de folhetim’ e o trecho ‘histórias de infância de gata-borralheira’.